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Sempre me vi insatisfeita na minha prática de medicina. Achava que a insatisfação era
pela carreira escolhida. Trazia esse sentimento desde a faculdade. Questionava muito o
caminho escolhido. Mas, na verdade, esse descontentamento era meu, partia de mim, de
dentro para fora.
Percebia que estava, a todo momento, apagando incêndio dos meus pacientes com
remédios. Nada contra esses procedimentos e essas prescrições. Mas, conforme o tempo
passava, sentia que EU precisava de algo a mais para oferecer às pessoas de quem
tratava e cuidava com tanta dedicação. Gostava de falar de saúde, de ter a liberdade e
consciência de escolher um novo processo, sempre que possível. Talvez meus colegas e
pares de profissão nem percebessem isso, pois eu passava a imagem de uma “pessoa de
atitude” para compensar tudo isso. Dessa forma, desenvolvi fortemente meu masculino.
Plantio. Ação. Defesa. Reação. Precisava seguir em frente.
E segui. Conclui a faculdade de Endocrinologia. E então veio o momento de
desacelerar. Pausar. Repensar. Não podia continuar na mesma velocidade que sempre
me levava ao caminho do não-questionamento. A insatisfação continuava presente e
constante. Assumi. A promoção de saúde que eu acreditava não era a que eu colocava
para os meus pacientes no consultório. Mergulhei em mim. Voltei a fazer yoga.
Comecei a meditar. Nossa, que despertar!! A consciência sobre mim mesma, sobre as
coisas e as sincronias do universo foram me guiando para a Pós de Medicina
Integrativa, tão namorada desde a faculdade.
Sim, era preciso olhar para o que eu queria incluir nessa página em branco, pois não me
sentia colaborando com o outro da forma como eu gostaria. A meditação já havia me
ajudado a florescer e a crescer. E então chegava a vez de olhar para o aspecto
profissional. Mas a pós-graduação desconstruiu esse pensamento, essa lógica que era
tão minha. De uma forma quase cruel, o curso me metralhou – fez com que eu
despertasse para uma questão essencial – o meu autocuidado, o que era a minha saúde
para mim. Uau, eu teria então que me trabalhar nos pilares da medicina integrativa?
Teria que olhar para isso? Era o mais correto a fazer, afinal era isso que eu sentia que
faltava no meu trato com o paciente. Seria incoerente falar sobre algo que não
experimentei ou não vivi, certo?
Aos poucos, percebi – não existia um profissional incompleto. Existia uma Mika
incompleta. E não adiantava estar cercada por pessoas que me queriam bem e me
incentivavam. Precisava nascer de mim. Um caminho sem volta – olhar para mim. E
assim segui minha jornada. E dela fizeram parte dores e danças; choros e orações;
situações inesperadas e entregas. Aprendizados. Autoconhecimento. Autocompaixão.
 
Desespero. Sim, desespero. Como lidar com tudo isso? Como olhar para minha roda da
medicina, a roda da minha felicidade? Arrisquei. Me acolhi. Listei alguns itens.
Espiritualidade, nutrição, movimento, meio ambiente físico, relacionamentos e
desenvolvimento pessoal. Hummm, o que mais? Meditação, claro! Meditei. Meditei.
Meditei. Orei. Orei. Orei. Me acolhi. Me acolhi. Me acolhi. Comecei a abrir mão do
meu (falso) controle. Do controle que eu achava que eu tinha sobre as coisas. Estabeleci
uma relação mais saudável comigo mesma. E aí a entrega profissional se misturou com
a pessoal. O início de uma fluidez. Ixi, um feminino germinado que precisava ser
trabalhado. Pensei. Observei. Senti. Sorri. Me entreguei.
“Quando uma mulher decide curar-se, ela se transforma em uma obra de amor e
compaixão, já que não se torna saudável somente a si própria, mas também a toda sua
linhagem”, Bert Hellinger. E foi isso. Um ano de imersão e autoconhecimento.
Desconstruí muita coisa, mas muita coisa mesmo, incluindo o papel das mulheres ao
longo dos anos. Quanta cobrança e autojulgamento, não? Fiz um movimento de dentro
para fora. Um exercício diário de respeitar o meu feminino e ter mais coerência com a
minha expressão, com meu coração. Entendi que isso era preciso para eu ajudar o
paciente. Um processo meu que passaria a refletir no lidar com o outro. Mas, mais do
que isso, era essencial para eu me ajudar. Entendi que as minhas necessidades
profissionais podiam e podem ser diferentes das necessidades profissionais do meu
colega. E está tudo bem dessa forma. Aceitação. Acolhimento. Afinal, nós, mulheres,
somos acolhedoras.
Algumas pessoas foram (e ainda são) essenciais nesse caminho. Entre elas – meu ex-
marido, a quem amo, admiro e respeito. Ao longo da nossa relação (deliciosa), ele foi
meu grande incentivador. Mika, será que não é o momento de você ser a primeira
pessoa a se respeitar? Você não acha que está mais do que na hora de ganhar asas e
colocar tudo isso que você acredita em prática? Ele tinha razão. Ele e Rubem Alves –
“A alma é uma borboleta. Há um instante em que uma voz nos diz que chegou o
momento de uma grande metamorfose”. Mas não me senti desamparada nessa
metamorfose. A vida colocou outras relações para me ajudar, como meus amigos e
professores da pós de Medicina Integrativa. Me apoiaram, fizeram presente e serviram
de espelho para que eu me transformasse. Sim. Interdependência. Como sou grata!
E hoje estou aqui. Eu, Deus, Rubem Alves, a meditação e a medicina integrativa. Uau,
esse time tem me deixado tão feliz! Engatinhei, andei, voei. Não somos mais mulheres
de Atenas? Posso ser. Mas desde que isso seja por mim e não pelo outro. Um voo
libertador, mas não foi um voo sozinho. Amo trabalhar com essa consciência, porque
nela vejo que consigo chamar o paciente para ser agente da sua própria saúde. E por que
não um pouco de intuição? Esse componente tem vindo com o trabalho do meu
feminino, que nós mulheres tanto distanciamos com o tempo e com a cultura patriarcal
imposta. Somos intuitivas. Fato. E hoje me sinto, livre, leve e feliz comigo. Com mais
respeito ao outro, pois hoje me respeito. Sou antes de tudo, fiel ao meu coração. E que
cada um encontre a sua forma, porque a vida dentro de caixinhas, ah, essa já ficou sem
graça.
Mas o processo é construtivo (tijolo a tijolo), consciente e constante. Sigo buscando a
minha cura, pois descobri que é a melhor forma para ajudar ao outro. E esse ciclo
sereno, florido e amoroso me faz lembrar uma música do Almir Sater. Canta comigo?
 
*Citação referente a uma música de Chico Buarque – uma música pautada na ironia:
“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”. Quer dizer justamente o
contrário (…) Especialmente as mulheres de Atenas de hoje, que se colocam ou se
deixam colocar na posição das mulheres de Atenas: aceitam ser, mesmo que não sejam
mais obrigadas, mulheres no molde de Atenas, da Grécia antiga. Ou seja, mulheres que
“vivem, sofrem, despem-se, geram, temam e secam”, que “não têm gosto ou vontade,
nem defeitos nem qualidade. Têm medo apenas”.Texto do link
mulheres-de- atenas-chico- buarque-de- holanda.html#ixzz5BYxVcbY3
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