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Eu te convido a refletir: O que é felicidade para você? Quais são as coisas mais significativas da sua vida atual? Dentre as coisas mais referidas em estudos sobre o assunto, destacam-se as relações interpessoais/família e o estar em comunidade. A socialização assume-se como uma das atividades mais propícias a conferir afetividade positiva, sendo um dos fatores mais importantes do bem-estar psicológico.
E temos muito a aprender com os inúmeros grupos e povos no Brasil e no mundo. E, em homenagem ao dia do Índio, hoje resolvi trazer um pouco do que podemos aprender com a cultura indígena em relação a isso. Convidei o cacique Carlos Tukano, presidente da Associação Indígena Aldeia Maracanã, para falarmos um pouco sobre o assunto.
Mikaelly: Carlos, você poderia nos contar um pouco como era a socialização na sua tribo?
Carlos: Fomos criados em uma casa única chamada Maloca, com cerca de 200 a 300 pessoas – até 15 famílias. Essa casa não tinha muitas divisões. Usávamos o ponto central dela para o encontro das celebrações, da nutrição. Na lateral, havia o que vocês chamam de “pequenos apartamentos”.
Mikaelly: E, para você, qual a importância de ter nascido nesse local comunitário?
Carlos: Primeiramente, o desenvolvimento do respeito deste sistema. Lá dentro, tínhamos três classes: o chefe geral (o detentor do conhecimento e direcionava a tribo); o líder espiritual (responsável por trabalhos de cura); o benzedor (ajudava o líder, benzendo com ervas). E, por fim, o baya – mestre de canto e danças. Sua missão era gerar agradecimento da natureza, a chegada de grandes colheitas.
Mikaelly: Além desse sistema organizacional, vocês também trazem forte o respeito pela ancestralidade, não é?
Carlos: Sim, nosso sentimento é de respeitar o mais velho. Independentemente de suas experiências, somente o fato de ter vivido mais significa que tem algo a lhe passar. Quando éramos crianças, ficávamos felizes e satisfeitos somente pelo fato de ele nos cumprimentar. Para mim, tinha o mesmo significado de me abençoar e compartilhar uma energia comigo.
Mikaelly: E na sua casa, como eram essas relações interpessoais?
Carlos: Nosso sentimento é que éramos uma família só. Nosso irmão mais velho também tinha o conhecimento de como administrar uma família, pois foi ele que recebeu isso dos nossos pais.
Mikaelly: Entendo, Carlos. Observo que, na nossa cultura, temos perdido muito isso, o que contribui para nossas dificuldades de relações interpessoais. E aqui você me fala de um respeito que floresce e se mantém independentemente das diferenças.
Carlos: Sim. Um sistema de respeito, mas também fomos educados com o sentimento de cooperação – pesca, colheita etc. O que você colhia você dividia com todos. Quem tinha peixe dava para quem não tinha.
Mikaelly: Uma relação linda de interdependência entre vocês.
Carlos: Sim, não se falava: você vai fazer sozinho e isso é da sua propriedade.
Mikaelly: Lindo isso, Carlos. Pois acredito que, dessa forma, e alguns estudos hoje em dia têm mostrado isso, relações, a cooperação, a interdependência criam sentimentos de bem-estar. E contribuem para a felicidade do ser humano.
Carlos: Sim, para nós, felicidade era termos uma família constituída, nossa comunidade feliz, ou seja, sem doença e com abundância das colheitas. A minha maior felicidade era quando meus pais chegavam da caçada, pois sabíamos que lá podia acontecer algum acidente e isso nos deixava apreensivos. Então, quando eles retornavam, ficávamos muito felizes, tomávamos banho com eles, e eles nos contavam histórias.
Mikaelly: Sabe, Carlos, acho bonito, pois vocês trazem um cultivo sobre a felicidade por meio de nossas necessidades básicas. Mas uma curiosidade. E a infelicidade?
Carlos: A infelicidade era quando qualquer membro da família morria.
Mikaelly: Obrigada, Carlos. Vejo que a cultura indígena resgata o agradecer, respeitar, cooperar e celebrar.
E por que gosto de trazer temas assim? Para medicina integrativa, para tentarmos estar o mais próximo possível do conceito de saúde, devemos olhar para alguns pilares (veja um pouco sobre isso na parte: trabalho do meu site). Não basta focarmos apenas no tratamento de alguma doença específica. Algumas revistas importantes como a The Lancet têm discutido a importância do entendimento entre felicidade e saúde. Não se trata de obscurecermos a necessidade de progresso contínuo na redução da doença, até porque, sem vida, não há felicidade a ser realizada. Mas, sim, por meio desse olhar, quem sabe consigamos incentivar um desenvolvimento sustentável, um cultivo do bem-estar: uma das bases da medicina integrativa.
(the lancet : Vol 387 March 26, 2016)
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